Decorria o ano da graça 1973, quando às 12.30 do dia 31 do 12, nascia uma princesa, de tez clara, lábio perfeitos e rosados, diz quem viu que que sorriu ao 2º dia, detentora de um coração enorme, amiga do seu amigo do qual jamais irá abrir mão.
Quis o destino que essa princesa, hoje intitulada de besta fofinha, mas besta, vivesse momentos únicos que jamais irá esquecer, mas que embirra solenemente com as pessoas que complicam a pedir um café, pois café é café, ou que acham que pastel de bacalhau é um bolinho, pff ou que ainda criticam por comer um nata com colher, tenham juízo, mas há lá coisa melhor? (Estou obviamente a falar de mim).
Se não, olhamos um pouco a trás neste filme que já leva 46 anos, os quais quis festejar com o melhor bolo de chocolate do mundo, junto dos meus amigos, tarefa que nem sempre é possível devido a data de merda e ao mesmo tempo especial em que nasci, como podem ver há aqui desde logo uma contradição.
Quando fiz 40 anos sonhei com um aniversario brutal, digno da data que era, pois deixem que vos diga, foi a pior festa que tive, que merda de aniversario, lá está sonho sempre com muito, ou melhor sonhava, nesse dia pensei "sempre aqui a tentar agradar a todos e eu?".
Agora festejo sim, como quero e organizado por mim, tem corrido lindamente.
Bem, mas falávamos do melhor bolo de chocolate do mundo que são as muitas peripécias, saltamos para aos 11 anos em que levar com um carocha pela fronha adentro, quando saía do colégio,é algo que não calha a todos. E a culpa foi de quem? Vocês gritam histéricos do automóvel, não filhos, da minha irmã, atravessa-me a estrada sem dizer nada, vai daí vou ter com ela e zás dou por mim a bater com o meu lindo cesto de verga no carro, de seguida entro eu por ele a dentro, no fundo quis ver de perto a qualidade dos estofos.
Disto fiz um pequeno lenho na cabeça de onde saiu metade do meu juízo, resultado cabeça rapada só de um lado, nova moda punk, 11 pontos numa cicatriz em forma de quarto crescente (chique), um joelho que passou a meteorologista, nunca me falha, o que é óptimo na escolha da roupa no meu dia a dia.
Uns anos mais tarde, na aldeia dos meus avós, andava eu aos pulos em cima dos muros, tão típico em mim, mesmo com 18 anos como era o caso, e dou um tralho monumental. Quem conhece bem as aldeias transmontanas, nomeadamente na zona de Mirandela, sabe que os muros são feitos de socalcos de xisto, pedra em cima de pedra, elas aguentam bem assim, só não aguentam é uma pernilonga de 18 anos, que se esqueceu que às vezes existem piquenos buracos entre as pedras, vai daí pumbas, corpinho danone em cima das silvas das amoras.
Toda eu era manchas das amoras, rasgos nas pernas, gargalhadas dos meus primos, estúpidos obviamente, fui retirada dali por um pastor que me pegou ao colo, eu até silvas tinha no meu cabelo, para verem a figura. Chegámos tarde a casa dos avós, eu naquele estado lastimável e a minha mãe diz: "Não sabem que na casa dos avós se janta as 19h30?"
eu : "Desculpe, caí e fiquei assim"
mãe: "Vão lavar as mão e mesa, Catarina troca de roupa e escova o cabelo, por Deus" quem nunca levou uma reprimenda da mãe, que atire o primeiro xisto ao seu próprio olho.
Uns bons anos mais tarde numas, férias no Carvoeiro, vou abrir a porta do terraço para ir para a piscina e cai-me em cima da cabeça uma daquelas chaminés algarvias que fazem de cadeireiro, para quem não conhece imaginem uma telha do telhado, foi basicamente isso que aconteceu levei com aquele barro branco em cima, só sei que em Julho descobri que estava grávida. É que nem vale a pena dizerem o contrário, ninguém me tira da cabeça, que houve ali uma conjugação de astros, nunca confiem totalmente e olhem com muita desconfiança para aqueles candeeiros lindos, mas muito demoníacos.
Se isto não é de ir as lágrimas, o mesmo já não acontece quando em Junho 2017, no tradicional fim de semana com amigos na Gestosa, em Castanheira de Pêra, enquanto passamos o dia da praia das Rocas, sem saber que dali a umas horas íamos viver o maior pesadelo das nossas vidas. Temperatura acima dos 40, trovoada seca, vários focos de incêndios pelas serras, nada nos fazia sonhar com uma das maiores tragédias que há memoria no país.
Estávamos sem rede, nem ligámos, achámos normal, ouvíamos expulsões ao longe, associámos sempre a pequenos barracões no meio da floresta, onde as pessoas guardam as suas alfaias, os meus amigos resolvem arrancar para a aldeia deles, que fica a 40 km dali, muito contra a nossa vontade, pois havia fogo à nossa volta e não estávamos confortáveis com eles a fazerem a viagem com os miúdos serra adentro. Teimosos arrancaram, combinámos que ás 23h íamos ao cimo da aldeia para ligar, naquela altura já só era o sitio onde tínhamos rede. Obviamente já não conseguimos mais falar com eles pois as comunicações foram todas abaixo. O resto bem o resto foi sair da aldeia em chamas em direção a Castanheira, erro enorme, sem sabermos que as explosões ouvidas horas antes mais não eram que os carros naquela nacional, que ficava apenas a 3 km. Só perto da meia noite é que nos lembramos "não temos comunicações mas temos carro e carro tem rádio" e foi assim que no porta da GNR, onde ficaram os miúdos enquanto tentávamos saber dos nosso amigos que ficaram na aldeia, já rodeados de fogo, soubemos da tragédia.
O nosso pensamento foi literalmente: foda-se, estamos sem comunicações, a nossa última publicação na redes foi por volta das 17h00 com imagens do fogo, isto está a dar nas televisões, temos de conseguir contactar Lisboa. Ao ouvir as noticias o Francisco só dizia em pânico que não queria morrer como se fosse um frango no churrasco, o meu pequeno Gui aflito sem saber dos pais e dos avós que ficaram para trás, só dizia vocês ficam comigo não ficam? A cabeça a mil, a gerir emoções e a pensar na família e amigos quem não sabiam se estávamos bem. Consegui que um chinês me emprestasse o telefone, não quis que lhe pagasse a chamada, liguei para casa da minha mãe, da minha sogra, num minuto disse que estávamos sem rede, rodeados de fogo sem poder sair, mas estamos bem. Menti com todos os dentes, estávamos tudo menos bem, apavorados, era um cenário de guerra aquele onde estávamos, com relatos de mortes a chegar, com fagulhas a cair do céu, todos nós éramos cinza. Sobrevivemos é um facto, mas as marcas daquela noite nunca vão ser apagadas da nossa memória.
E agora uma pandemia, se isto não é um bolo de chocolate em camadas não sei o que vos diga.
Mas uma coisa é certa, por mais camadas que este bolo tenha, será sempre o melhor bolo de chocolate do mundo, porque é o meu e raios e coriscos se eu não vou ter uma festa bem porreira pelos 50 anos, só não incluo piscina de espumas porque é coisa para fazer mazelas nos brônquios, afinal é no inverno e os convivas já não irão para novos.
Além do mais, depois disto tão cedo não quero ouvir falar em covid, ou coronas ou o camandro
Só em bolo de chocolate em camadas que espero possam crescer até aos 100.